Após o resultado das eleições argentinas, analistas brasileiros se apressaram em afirmar que a tradicional frente peronista representava o desejo pela volta da esquerda e que, consequentemente, ocorreria o mesmo no Brasil em breve. Nada mais equivocado.
Por ofício, acompanhei de perto a reta final da disputa na província de Buenos Aires. O equivalente ao estado onde fica a capital federal, representa 38% do total de eleitores e, por isso, é definidora do resultado. Maurício Macri, após ter presidido o clube de futebol Boca Juniors, foi de prefeito da cidade à presidência da república.
Sua eleição representou um momento histórico no país, vencendo após 12 anos do casal Cristina e Nestor. Naquele ano, 2015, o peronismo se apresentou dividido, fato que, aliado aos escândalos dos governos Kirshner e a estagnação econômica do país, beneficiou a vencedora proposta de mudança de Macri.
No mandato, entretanto, Macri não conseguiu reverter o processo inflacionário nem melhorar os indicadores sociais. A economia piorou e o nível de emprego despencou. “A gestão macrista investiu em obras e esqueceu do povo. O pobre ficou mais pobre e a classe média perdeu o poder de compra”, resumiu um eleitor. Ainda assim, Macri acreditava que a ex-presidente Cristina seria a oponente em 2019 e que frente à sua alta rejeição, a narrativa de não regredir na história sairia vencedora.
O grande lance viria em maio deste ano, quando Cristina anunciou que concorreria à vice e que o candidato a presidente seria seu ex-chefe de gabinete, Alberto Fernandez. Talvez a primeira vez que um candidato a vice anuncia o presidente, e não o inverso. Sabendo que Cristina aglutinava cerca de 30% de votos, a jogada permitiria que sua rejeição não impedisse que a chapa pudesse ser vencedora. Com uma campanha estrategicamente bem-feita, Fernandez se descolou de Cristina e do peronismo radical para alcançar uma classe média indignada com o atual presidente.
A diferença de 16 pontos percentuais nas primárias pegou de surpresa a campanha macrista. Depois de um mês de desmobilização, realizou 30 comícios em 30 dias. Focando o discurso no medo da volta de Cristina, Macri foi para o tudo ou nada. O esforço gerou efeitos e a diferença final foi reduzida para 8 pontos, mas não suficiente para levar ao segundo turno.
Com a falta de alternativas de futuro, o passado venceu o presente. O eleitor votou em quem melhor representa seus interesses de momento. Há 4 anos foi Macri, agora foi Fernandez, um moderado bem diferente da peronista Kirshner, que enfrentará a difícil missão de equilibrar o país. O que só conseguirá se houver sacrifícios. Os mesmos que os eleitores não suportavam mais pagar com os ajustes que Macri tentou tardiamente implantar.
E o que isso pode influir ao Brasil? A configuração política praticamente bipartidária, o arcaico método de votação, além do fator corrupção ter menor importância no atual contexto argentino, indicam que o alegado “vento de esquerda” não é uma realidade compatível com o cenário brasileiro. A brisa portenha tem mais a ver com pragmatismo do que com ideologias. Isso sim, é equivalente na cabeça dos eleitores de ambos os países.
Por Leandro Grôppo