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Reforma Estratégica

Em uma atitude inédita das classes médias urbanas no recente histórico democrático nacional, os brasileiros saíram às ruas. Apesar das demandas variadas, que ao mesmo tempo facilitou a adesão mas também prejudicou o movimento, pediam urgência na qualidade dos serviços e ética nas relações do público com o privado. Demonstração de maturidade e de consciência política, ainda que passageira.

Pressionado, o Governo Federal colocou em pauta a dita “mãe de todas as reformas”, a propalada reforma política. Tema que volta ao centro do palco a cada novo ciclo eleitoral. Desta vez, sob o clamor popular, foi utilizada como escudo sob o qual a Presidência da República se escorou para proteger do bombardeio (literal) das ruas, que atingiu indistintamente políticos de todas as vertentes.

Aproveitando o enorme desgaste de partidos e políticos, a sugestão de um plebiscito para consultar a população sobre a reforma, deslocou as atenções para outro patamar. Ao governo, que inicialmente se ausentou da discussão e até quis surfar na onda popular, como se nada tivesse haver com o que era demandado, ainda que desastradamente, assumiu uma postura propositiva colocando-se na dianteira da ordem do dia.

Mesmo sabendo da impossibilidade temporal de uma possível constituinte exclusiva, ou de um referendo que validasse as mudanças para valer já no próximo ano, a Presidência deu sua cartada. Saiu do imobilismo e virou protagonista em meio aos protestos. Agendando a mídia com o tema da reforma, empurrou para o Congresso e seus “representantes rejeitados pelo povo”, a responsabilidade pela insatisfação manifestada nas ruas. Ganhou tempo ao “parlamentarizar” a indignação.

Para “fisgar a audiência”, a Presidência lançou suas sugestões e propostas. O fim do voto secreto é assunto de fácil entendimento e com alta aceitação perante a população, assim como o fim dos suplentes de senador, pontos que facilitam o caminho para temas como o financiamento público exclusivo de campanhas, alteração do sistema eleitoral e fim das coligações. Tarefa essencial para que a consulta avance e de alguma maneira responda aos anseios populares.

Sobre o meio de fazê-la, a primeira condição que se impõe é vontade política. Uma vontade que historicamente demonstra a não alteração do status quo. Dada a extrema divergência do Congresso sobre o assunto, é possível que a proposta morra ainda no nascedouro. Para a Presidência já não mais importa. Dilma sai com a imagem de empreendedora que “tentou mexer no sistema”, mas que foi barrada pelos “interesses do próprio sistema, insensível à nova realidade do país”.

Restará a frustração quando o eleitor descobrir que essa reforma nada tem a ver com o que ele imaginava. Ninguém pediu plebiscito, as ruas clamam é por gestão e eficiência na aplicação dos recursos públicos. A reforma necessária é administrativa, ou seja, gastar com qualidade e transparência.

Para a maioria, nada impede que os eleitos saiam dos “palácios”, reduzam cargos de confiança, ministérios, secretarias e mordomias simbólicas associadas ao poder. Sobrando recursos para aplicação em melhorias dos serviços públicos, o ponto de partida das manifestações. A verdadeira reforma começa pela “cozinha”, sem necessidade de referendo. Se as práticas políticas (o ethos) não mudarem, tudo ficará na mesma, com ou sem reforma. Aliás, qual reforma?

Por Leandro Grôppo

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