Panorama RAC – 03/06/2011
Nas próximas eleições municipais, em centros urbanos como Campinas, deve ser montado um laboratório para diagnosticar como a população pensa e age
Após a publicação do artigo O papel da oposição na imprensa, no qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) orientou seu partido a debruçar-se sobre a ‘nova classe média’, os partidos tentam alinhar seus discursos. Passaram a rever as estratégias e abrir um diálogo mais próximo com esse quase 30 milhões de brasileiros que ascenderam à classe C nos últimos dez anos. Cidadãos que passaram a desfrutar de um poder de compra até então distante de suas realidades.
Porém, a inflação tem comido parte desses rendimentos. Os partidos, então, passaram a se perguntar; até que ponto a perda do poder de compra e o medo de regredir à classe D e E pode afetar o voto desses quase 20 milhões de eleitores? Nas próximas eleições municipais, principalmente nos maiores centros urbanos, como Campinas, um grande laboratório deve ser montado para diagnosticar como pensam e agem esses ‘batalhadores brasileiros’ , como definiu o sociólogo Jessé de Souza em seu livro Os Batalhadores Brasileiros – Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora?’.
‘Serão as pesquisas, quantitativas e qualitativas, que servirão para descobrir qual é a demanda que essa nova classe média tem. E, com certeza, elas estão ocorrendo agora e continuarão sendo feitas nas próximas eleições’ , afirmou o presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), Carlos Manhanelli. Entretanto, na visão dele, poderão ocorrer surpresas em 2014 no âmbito estadual e nacional. ‘As eleições municipais são diferentes. Ainda que o cidadão e essa classe emergente tenha alguma afinidade ideológica com o partido, interfere muito o local e a realidade na qual ele vive na hora do voto’ , disse.
Para o cientista político da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Valeriano Mendes Ferreira Costa, a antiga classe média é diferente da atual. ‘Enquanto uma é mais conservadora, vota por uma estabilidade, nós não sabemos exatamente qual é o comportamento dessa nova classe média. Essa nova classe emergente é a classe trabalhadora que conseguiu estabilização da renda. Ela tem um vinculo muito forte com o trabalho e com a expectativa de vida. Ela pensa no futuro dos filhos. É uma classe que reclama muito dos impostos. É preciso mais tempo para sentir uma mudança real, pois ainda está obscuro em que setor ela está inserida’ , afirmou.
É o caso do auxiliar administrativo Ademir Bazzanella, de 49 anos. Ele notou que sua situação financeira melhorou nos últimos anos porém, também percebeu que o salário tem perdido poder aquisitivo de antes. ‘Nos últimos dois anos parece que eu não consigo mais comprar a mesma quantidade que eu conseguia antes. Se a Dilma não deixar a peteca cair, eu voto nela, senão eu mudo para alguém que me dê estabilidade, não importa o partido’ , contou.
Costa também explicou que em 1990 a então classe média apostou na estabilidade, que era a proposta do PSDB, mas em 2000 apoiou Lula na promessa de mais empregos. ‘Agora ela está um pouco perdida e mais exigente. Essas pessoas não caem na lábia do populismo e não aceitam o velho reformismo’ , relatou o cientista político. Grávida de nove meses, a auxiliar administrativa Francine Aparecida Prudêncio da Silva, de 26 anos, tem o costume de discutir o voto com o marido. ‘Na última eleição assistimos aos debates e conversamos para ver em quem iríamos votar. Votamos os dois no mesmo. Agora, na próxima que tiver, acho que o candidato tem que conseguir manter crescimento e estabilidade. Se não der, prefiro pelo menos a estabilidade’ , contou.
No ponto de vista da gerente Viviane Pereira de Souza, de 25 anos, a presidente não tem tido sucesso em manter as mesmas políticas de seu antecessor. ‘A inflação está subindo e a educação está cada vez pior. Não estou gostando. Eu votei pelo candidato e não pelo partido. Se continuar assim, na próxima eleição eu mudo o voto’ , disse.
Para Costa, o ano de 2011 está ‘praticamente perdido’ para Dilma no que diz respeito à economia e inflação, o que pode ter reflexos no voto dessa classe emergente. ‘Se ela não conseguir manter um crescimento com estabilidade, essa nova classe média tem a tendência de ser mais conservadora e escolher pela estabilidade ao invés do crescimento’ , explicou. Segundo ele, o governo é o grande favorito para a reeleição se conseguir fazer um bom trabalho, do contrário, abre espaço até mesmo para candidaturas alternativas como a da ex-senadora Marina Silva (PV) e de o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).
Disputa
Enquanto os tucanos apostam na indecisão do voto dessa fatia da população, os petistas colocam as fichas na crença de que as melhorias dos últimos anos irão, por si só, ‘fazer a cabeça desses cidadãos’ . ‘O que pudemos verificar nas últimas eleições é que a população forma muito sua opinião em cima de situações concretas do que ela vê e sente. Ela formula uma verdade que tem muito mais peso que uma notícia no jornal’ , afirmou o deputado estadual e presidente estadual do PT, Edinho Silva (PT).
O deputado federal Vanderlei Macris (PSDB), vice-presidente estadual do partido, disse que após o artigo de FHC, toda a legenda se convenceu de que era preciso mudar a linguagem e a forma de comunicação com os brasileiros, bem como trabalhar na reformulação e unificação do discurso. ‘Essa classe que ascendeu não se sente representada por um movimento político específico. Acredito que o PSDB precisa estar voltado para esse setor, pois temos propostas muito claras. E tenho certeza que a inflação como está irá atrapalhar o PT, pois ninguém quer andar para trás. Ela é o pior instrumento de corrosão da renda. Isso bate de frente com os interesses da população e fomos nós que trouxemos a tranquilidade econômica ao País’ , relatou o deputado.
As eleições municipais servirão, segundo ele, para ‘dar o recado’ aos partidos, principalmente ao governo, se algo estiver errado. ‘Não é definitivo, mas é um sinal. Eleições municipais são diferentes das estaduais e nacionais, mas com certeza muitas pesquisas e informações serão colhidas para entender essa nova classe média brasileira. Com o último Senso do IBGE também já temos um grande volume de informações para ajudar a adequar o discurso’ , explicou.
Para o presidente estadual do PT, a identidade dessa fatia da população ainda não está definida, porém são os petistas que estão mais próximos dessa classe ascendente. ‘Eles têm identificação com o governo Lula, pois foi esse governo que proporcionou essa ascensão social, uma nova perspectiva de futuro e auto-estima. Eles se sentem parte de um projeto de nação e ninguém tira isso deles. Essa é a maior aquisição que eles tiveram. Não acredito que essas pessoas, que obtiveram esses direitos, virarão as costas para mais empobrecidos’ , declarou.
Mas, na opinião do tucano, o discurso do rival ‘está caindo por terra’ . ‘Essa ideia de que o Brasil é o País mais maravilhoso do mundo e que não há defeitos está se desgastando. Todo mundo sente na carne a inflação que eles não tem conseguido dominar. Eles são patrimonialistas e acham que o governo é propriedade do partido. Nós entendemos o governo como instrumento da sociedade’ , disse.
Eleições municipais
Para a deputada estadual e presidente do diretório regional do PSDB, Célia Leão, a tentativa nas próximas eleições municipais será a de tentar envolver todos os segmentos e dialogar com todas as classes. ‘Todas as pessoas são importantes no processo eleitoral. Temos um programa de governo que é para todos, mas vamos pegar dentro dele o que tem especificamente para cada setor. A política tem que melhorar a vida das pessoas, senão ela não serve para nada’ , disse.
Segundo ela, as pesquisas apenas têm um resultado científico. ‘Serve para mapear de onde vieram essas pessoas e conhecer parte dessa sociedade. Quando fazemos campanha, buscamos o voto de quem não vota também, pois eles podem influenciar o quem vota’ , explicou.
Líder do DEM na Câmara Municipal de Campinas, o vereador Dário Saadi disse que a bandeira que será defendida por seu partido será a da redução da carga tributária. ‘A desoneração tributária é um tema que com certeza interessa à essa classe emergente e terá muito peso. O DEM, junto com o PSDB, foi responsável pela estabilidade econômica do País. Precisamos chamar uma discussão mais aprofundada sobre isso’ , disse.
Para o presidente do diretório regional do PT, Ari Fernandes, essa classe emergente não é apenas formada por trabalhadores, mas também por pequenos empresários. ‘Não é uma classe nova. É uma classe que melhorou de qualidade de vida. A classe que já era média antes, não se afina muito com o PT, ao contrário dessa classe emergente. Queremos nos aproximar dessa fatia através da recuperação de ideias e posições históricas do partido’ , explicou.
Segundo ele, a antiga classe média tem ‘estranhado dividir espaços públicos e compartilhar o progresso’ com os cidadãos que ascenderam socialmente. ‘Isso é um sinal de progresso como um todo e achamos isso muito saudável. Não acho que a inflação possa nos prejudicar, e o recado do FHC para o PSDB focar nessa nova classe média, não nos preocupa’ , afirmou Fernandes.
Com a ascensão dos cerca de 30 milhões de brasileiros à classe média, o presidente do diretório regional do PMDB, Arnaldo Salvetti, afirmou que, por ser ‘a maior fatia da pirâmide social’ , eles é que ‘irão moldar um novo perfil de povo’ . ‘O primeiro resultado desta ascensão social foi sentido no aumento do consumo, pois, claro, as pessoas tinham necessidades e desejos imediatos. Mas o verdadeiro impacto transformador da sociedade virá agora com a melhoria da formação educacional, especialmente através do acesso à informação, que naturalmente provocará uma maior consciência social e política’ , disse.