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Amnésia eleitoral e reforma política

A constituição brasileira ao estabelecer a obrigatoriedade do voto cometeu conscientemente um grande paradoxo democrático: tornou um “direito” em “dever”. Dessa forma, em sendo obrigatório, deixa de ser democrático e passa a ser autoritário, imperioso. Mas esta não é a discussão que queremos aqui levantar, e sim, sobre uma de suas conseqüências.

Ao ser obrigado a votar, o ‘eleitor médio’ acaba por não fazer uma decisão consciente, seletiva. Ou seja, a escolha eleitoral, em sua maioria, não é qualitativa, comprometida, sendo muitas vezes definida no caminho até a seção, ou quiçá, na frente da própria urna (daí o motivo da prática da “boca de urna” por parte dos candidatos).

Tal fato se torna ainda mais concreto quando a função dos cargos em disputa é desconhecida pelo eleitor. Pesquisas revelam que o bordão usado pelo deputado federal eleito, Tiririca, ao dizer ironicamente “você sabe o que faz um deputado? Não? Nem eu!”, é a mais pura verdade. Esse desconhecimento das funções e, conseqüentemente dos benefícios sociais que deveriam ser esperados daquele representante, aliado ao descrédito da atividade política, levam o ‘eleitor médio’ a fazer escolhas que são esquecidas muito brevemente.

Pesquisa do TSE realizada em novembro de 2010, apenas um mês após as eleições, constatou que um em cada cinco eleitores não se lembrava mais em quem havia votado para deputado! Confirmando a tese, além do esquecimento do voto, parcela significativa dos entrevistados admitiu ser mal informada sobre o papel a ser desempenhado pelos eleitos: 42% disseram não saber o que faz um senador e 40% não sabem a função dos deputados, federal ou estadual. O levantamento mostrou ainda que 46% revelaram pouco ânimo para exercer o “direito ao voto”.

Passados mais alguns meses, não é difícil encontrar eleitores que já não se lembram em quem votou. Assim, por não se lembrar em quem votou, o eleitor não poderá cobrar as propostas de campanha do candidato. Com a falta de acompanhamento ao longo do mandato, diminui a cobrança sobre os parlamentares, completando-se o ciclo da amnésia eleitoral, até a próxima eleição, quando a epidemia já atinge de 70% a 80% dos eleitores.

O remédio? Entre distribuir “memorol” maciçamente para a população ou mudar o sistema político brasileiro, a medida mais eficaz é modificar as regras eleitorais. Para isso, a reforma é o caminho para reduzir a distância que separa o povo da esfera política, possibilitando o aumento da memória social, sem prejuízos para a saúde pública.

Por Leandro Grôppo

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